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Análise de Conjuntura 2021.05.08


Assistimos, no mundo e no Brasil, a uma imensa confusão em torno da produção, distribuição e aplicação de vacinas contra a doença causada pelo novo coronavírus, o SARS-COV-2. Com 17% da população mundial, ou seja 1,3 bilhões de pessoas, o continente africano até a semana que passou, recebeu apenas 1% das vacinas disponíveis contra a Covid-19, assim informou a OMS. Nos Estados Unidos, até o dia 6 de maio, já foram vacinados com a primeira dose 45% da população, e mais de 32% já recebeu a segunda dose. Até o final deste mês de maio, este país já deve ter vacinas sobrando. A Europa tem apenas 10% da população mundial (cerca de 750 milhões de pessoas). A velocidade da imunização está aumentando em vários países europeus, e a União Europeia conseguiu fechar um contrato de compra de 900 milhões de doses entre 2021 e 2023.


O Brasil, como a maioria dos países pobres (em desenvolvimento), enfrenta dificuldades em conseguir doses, também por causa das posturas irresponsáveis do governo federal. Chegou a pouco mais de 16% a população que já recebeu a primeira dose, e a metade disso, com a segunda dose. As instruções insensatas de Pazuello, que orientou os municípios a não guardar reservas para aplicação da segunda dose da Coronavac, ocasionou atrasos na vacinação e há riscos de que pessoas vacinadas com a primeira dose, percam/ou diminuam sua imunização por não receber a segunda dose no prazo correto de 21 a 28 dias após a primeira dose.


O ritmo de produção de vacinas no mundo não acompanha os pedidos. Parte dessa lentidão é devido às patentes que pesam sobre elas. Assim, o Brasil precisa importar o IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) da coronavac da China para conseguir produzir as doses no Butantã, em São Paulo, e a entrega está sofrendo atrasos. Por sua vez, a Fiocruz prevê começar a produção do seu próprio IFA a partir de meados do mês de maio. Ainda faltam alguns testes para que a Anvisa libere os lotes produzidos. A entrega está previsto para acontecer em outubro deste ano. Ainda estão em análise na Anvisa a vacina russa Sputnik V e indiana Covaxin. A competição internacional, além da lentidão da política brasileira de compra de imunizantes, causaram atrasos na aquisição. E ainda tem as regras internacionais de patentes sobre vacinas e remédios. Estes são alguns fatores que explicam a frustrada expectativa de uma mais rápida imunização em nosso país. Enquanto a grande maioria dos brasileiros aguarda paciente ou mesmo impacientemente o momento de sua imunização, um pequeno grupo de endinheirados viaja para outros países fazendo turismo de vacinação. Furam “legalmente” a fila, em vez de emprenhar-se na distribuição das vacinas que sobram na terra do Tio Sam.


A posição de Biden, dos EEUU, sobre a quebra de patentes das vacinas contra a Covid-19 esta semana, significou uma ruptura com a tradição estadunidense. O País sempre defendeu a sua indústria farmacêutica (e outros ramos industriais) contra a concorrência estrangeira, protegendo monopólios. Esta mudança de atitude já causou efeitos na Europa, em que vários países apoiaram a medida e outros começaram a discutir a possibilidade. Por ora, o Brasil de Bolsonaro, ultraconservador e protetor dos interesses dos ricos e capitalistas, não se pronunciou claramente a favor da quebra de patentes, mesmo posicionamento do ultraconservador e derrotado Trump. Impossível entender esta política do negacionismo e do atraso, sobretudo quando envolve a saúde da população brasileira. O objetivo de manter patentes é garantir maiores lucros para as empresas e seus investidores (acionistas). É bom lembrar que o Brasil, em governos anteriores, defendeu claramente a quebra de patentes de medicamentos, sobretudo em situação de pandemia, para apoiar e prestigiar a capacidade de produção das empresas e laboratórios nacionais. 


A estabilização do número de infecções e mortes pela Covid-19 no Brasil em altos níveis foi ofuscada esta semana pela chacina que ocorreu no Rio de Janeiro, na manhã do dia 7 de maio, quinta-feira. Até o presente momento, foram 29 as vítimas confirmadas da truculenta invasão policial na favela do Jacarezinho. Um policial foi baleado e 28 moradores, a maioria jovens e negros, executados. Das 21 pessoas investigadas que tiveram prisão decretada, apenas três foram detidas e três foram mortas. E 13 pessoas não estavam sendo investigadas, e de 11 corpos ainda não se sabe de quem é que se trata. A polícia divulgou nomes, porém sem dizer quem foram essas pessoas. O que pode ser mais um indicativo de que foi uma operação policial desastrosa, cruelmente violenta, com indícios de execução de diversas pessoas que a polícia afirma estarem envolvidas com o tráfico de drogas. Uma chacina, conforme se divulga. Estranhamente, aconteceu no dia depois de uma visita de Bolsonaro ao Rio de Janeiro. Coincidência? Ou não?


O episódio mostra, mais uma vez, que não existe política de segurança pública no Rio de Janeiro, e podemos duvidar que exista no Brasil. As polícias não têm como filosofia defender os cidadãos. São instruídas a combater, a fazer guerra contra “bandidos”, contra o “tráfico de drogas”, contra “assaltantes”. Há uma parcela da população que se deixa enganar por esta filosofia do “bandido bom é bandido morto”. A polícia não costuma perguntar, nem usar a inteligência para conhecer e prender os infratores da lei. Não é esse o fundamento de sua ação. É força bruta, armas cada vez mais pesadas, violência em escalada crescente que domina na prática a ação policial.


Alvo da violência das forças policiais e da ausência de políticas públicas de educação, saúde, segurança alimentar, habitacional, de transporte e outras, sempre é a parcela mais pobre da população que é vítima, hoje em números assustadoramente crescentes. O ocorrido no Rio se junta a outras mostras de desprezo pelos pobres. Os números de mortos não mentem, crescem em todo o país. Diminuiu a morte de policiais, aumentam os pobres assassinados por eles, com um crescimento de 7% nos nove primeiros meses de 2020, comparado ao mesmo período do ano anterior. Entre as muitas reações e manifestações questionando a desastrosa operação policial, a própria ONU reagiu pedindo que o MP faça investigação independente, e cita a tendência de 'uso desproporcional' da força em favelas.


Várias redes e articulações pelo Brasil afora procuram fortalecer a resistência contra o Projeto de Morte que se instalou nas altas esferas do governo federal. Podemos citar, como exemplo, o Pacto pela Vida e pelo Brasil, encabeçado pela CNBB, junto com a OAB, a Comissão Arns, a ABI e a SBPC. Esse Pacto continua procurando mobilizadores e apoiadores, prontos para assumir a resistência em favor da erradicação da fome e da pobreza, pela universalização da vacina contra a Covid-19 e em busca de um projeto de país do direito, verdadeiramente democrático, e de justiça social, o que está totalmente ausente na atual política oficial brasileira.


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1]https://brasilescola.uol.com.br/geografia/populacaomundial.htm (Acesso em: 2021/05/08) 

2https://www.20minutes.fr/monde/3037327-20210507 coronavirus-manque-vaccins-accroit-risque-nouvelle-vague-afrique-selon-oms (Acesso em: 2021/05/08)

3 https://gizmodo.uol.com.br/eua-prestes-ficar-sem-pessoas-querem-vacina/ (Acesso em: 2021/05/08)

4https://www.irishtimes.com/news/health/eu-secures-a-further-1-8-billion-doses-of-pfizer-covid-19-vaccine-1.4559477 (Acesso em: 2021/05/08)

5https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-05/fabricacao-de-vacina-da-fiocruz-totalmente-no-brasil-comeca-dia-15 (Acesso em: 2021/05/08)

6http://www.ihu.unisinos.br/609044-virada-sobre-as-vacinas-biden-da-a-partida-para-a-liberacao-das-patentes (Acesso em: 2021/05/08)

7https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-07/maioria-dos-mortos-na-chacina-do-jacarezinho-nao-era-suspeita-em-investigacao-que-motivou-a-acao-policial.html (Acesso em: 2021/05/08)

8 https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/09/03/no-de-pessoas-mortas-pela-policia-cresce-no-brasil-no-1o-semestre-em-plena-pandemia-assassinatos-de-policiais-tambem-sobem.ghtml (Acesso em: 2021/05/08)

9 https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/05/07/operacao-no-jacarezinho-representante-de-direitos-humanos-da-onu-pede-investigacao-independente.ghtml (acesso em: 08.05.21)




*JM - Pe. Jean Marie Van-Dame 
Graduado e bacharel em Filosofia, especialista em Educação de Jovens e Adultos e Mestre em Ciências Éticas e Religiosas. Educador popular da Associação de Saúde da Periferia do Maranhão -ASP - é conselheiro e ex-presidente do CEDCA (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente) pela Pastoral da Criança. Ele participa do Conselho Estadual de Saúde -(CES/MA) representando a Comissão Pastoral da Criança. É assessor das Comunidades Eclesiais de Base e das Pastorais Sociais da CNBB NR5 (Maranhão).

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